segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

(107) DOENÇAS FATAIS



DIAGNÓSTICO: vida
TRANSMISSÃO: sexual
MORTALIDADE: 100%
NOTA: Sendo a mortalidade garantida, existem porventura diversas hipóteses de adoçar ou amargar a existência, segundo o gosto do paciente.
São processos muito elaborados com o nome genérico de SENTIMENTOS e com uma abrangência do AMOR ao ÓDIO, cobrindo esse leque VIRTUDES e DEFEITOS.
É concedido ao paciente o livre arbítrio desde que seja contido e use da necessária moderação.
Para o efeito vem o mesmo equipado de sofisticado PC com disco de muitos gigas, não existindo qualquer garantia de bom funcionamento.

(106) PARECE... NÃO SERÁ ?




É dia ! À porta de minha casa.
Será o SOL será a LUA ?









De forma a preservar a sanidade, deveria ser descartado o conhecimento alargado.
Há dias fui questionado sobre as cores que via em duas quadriculas contíguas integradas num conjunto geral do tipo tabuleiro de xadrez.
A coisa era para mim liquida, isenta de duvida, "tinto" como diz o povo.
Uma era branca, a outra castanha, como todas as restantes do desenho.
Rápida, cientifica e eficazmente fui desiludido. Sem truque, magia ou ilusão.
Não! Eram as duas de cor semelhante, escura.
Assustei-me, sem entrar em pânico, reconhecendo culpa ao grande inquisidor, este meu cérebro, que controla a belo prazer a filtragem do que posso conhecer, e, vez em quando, por descuido ou a propósito, alarga o crivo.
Nesta barafunda de meias verdades e passado o teste, escancara-se a porta da sala do Espanto e Consternação e a Duvida aproveita para se apoderar de mim.
Será que na ternura da caricia a tua pele é tão macia quanto sinto ?

domingo, 23 de dezembro de 2007

(105) LÁGRIMAS E SORRISOS


NÃO CHORES PORQUE PERDESTE
SORRI PORQUE TIVESTE
Sendo o lugar comum, fácil não é cumprir a máxima.
Só quem tiver coragem e ousadia de viver a vida como ela deixa, na plenitude, sem a falaciosa presunção de eternizar o momento.

sábado, 22 de dezembro de 2007

(104) A TROCA

Sem perder urbanidade, definitivamente preteri o urbano pelo rústico, ou até pelo deserto e pelo grande mar, naquela fronteira onde vivem as idas e vindas das marés, em que areia e água rítmica e com frequência se acariciam docemente. Fronteira onde não raro surgem tesouros, dentre o silencio borbulhado da água revolta.

O somenos, quando não desejado, é o vento, a emprestar violência à relação.

A experiência conta-me todavia ser garantida a bonança e a doçura voltará.

Nesses meus devaneios, tento contacto com outros seres, nesta mania de me fazer entender, sabendo bem que, por regra natural, esses seres usam vocabulário curto e eficaz e reconhecem a paz do outro.

Por vezes até sou gratificado pela chuva d'oiro do fim de dia.

Talvez esteja a pedir muito !

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

(103) AS GARATUJAS


Quando entro no virtual ventre do passado, lembra-me a época em que as criticas ao poder instituído, pelo apertado controlo, só poderiam ser descarregadas na privacidade e, desse modo, quando, e só por absoluta necessidade, me servia dum sanitário publico, era garantida a distracção enquanto decorria a função.
As garatujas enchiam paredes e portas, maldosas umas, porcas outras e algumas escondendo verdades nas pregas do humor.
Enfim local único para transcrever ideias e opiniões proibidas noutros espaços pela verdade contida.
Lembra-me a graça duma delas. Na porta, frente à sanita, em letra miúda o suficiente para nos fazer aproximar a cabeça nos limites da curiosidade e a surpresa quando se conseguia ler o escrito:
"cuidado, está a fazer fora da sanita"
e também poderia ser verdade.
Enfim, pachola a malta daquele tempo, dona de algum sentido de humor, negro que fosse.
Hoje, as chamadas novas tecnologias (e se d'ontem já velhas são) não deixam espaço a qualquer privacidade e suponho nem mesmo os sanitários escapem.
As garatujas das portas e paredes passaram livremente à imprensa diária, tendo sido retirada a adrenalina e o respectivo gozo.
O pior de tudo é que nem parecem verdades.
Ou não serão mesmo ?

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

(102) PAVÕES








DOIS ANIMAIS DISTINTOS E CONTEMPORANEOS

ATÉ PODERIA AFIRMAR, AMBOS BELOS.

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A beleza aparente da ave e a ostensiva demonstração da mesma, encaminha o nosso preconceito pelas vias da petulância, vaidade e outras menos virtuosas qualidades. Todavia a pobre apenas obedece ao impulso da continuação da espécie, cumprindo o modus pela natureza imposto.
Aqui fica por compreender a razão pela qual o peru, ave muito semelhante, foi menos beneficiada.
Porventura não será a fêmea tão exigente.
No homem, animal pensante, supostamente inteligente, pese embora a presença do mesmo impulso, seriam requeridas outras virtudes, "mais virtuosas", menos petulantes.
Vamos supor que a natureza o beneficiou de algum agasalho natural, peludo por força, o qual foi perdendo na luta para emendar a mesma natureza, já aí demonstrando mau uso do que lhe foi emprestado.
Ele ataviou-se a seu modo e foi alardeando essencialmente maus hábitos, preterindo a humildade de reconhecer ter vindo ao mundo nu e dentre fezes e urina.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

(101) ERVILHAS


Não sou de grandes manjares, vos garanto e do prato me aproveito para suprir a obrigação imposta na caminhada.
Contudo, as ervilhas. Ah as ervilhas, e como gosto delas.
Não só pelo verde também pela textura.
Tanto delas gosto que nem faz sentido que as coma. Porém, hoje tem de ser.

A memória coloca na linha da frente um saboroso e divinal creme delas com que amiga minha me presenteia quando me convida a jantar. Lembra-me também a arrepiante dificuldade e rigor na confecção. É um espreme espreme e tira peles num longo espaço de tempo, estilo quebra paciências.
Uma canseira, quanto a mim inibidora da gostosura, espaço e tempo até com melhor proveito noutras artes.

Tento por isso reduzir o labor quando o desejo me vem.
Ah aqui está a lata. Basta um clique e até cozidas já estão.
Não deixam de ser doces e saborosas, porventura não tanto.
Satisfazem muito bem. A pele não lha tiro. Não resisto a peles macias.
P.S.: O prato foi alindado para a foto, não é regra.
Foram cinco minutos a preparar e pouco mais a mastigar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

(100) POETAS

Tenho alma de poeta, disse alguém que visitou este meu canto.
Confuso, logo resolvi consultar, não o santo, antes minha rigorosa consciência e a alma, sua amiga de peito.
Sentido tenho andado por saber o pouco préstimo que me dão, apesar de mim se servirem, para se manifestarem por aqui.
Simples marioneta. Perdoo, não esqueço.
Todavia da conversa mais confuso fiquei, quando ouvi a sugestão por elas ali deixada.
Tenho agora de perguntar à minha visitante o que pensa ela dos poetas.
Enquanto não o souber estarei na ensombrada fronteira da dura critica ou elogio. Mais trilema que dilema.

sábado, 17 de novembro de 2007

(99) COMPAIXÃO



Domingo. Dia de graça. De hábito, quando por aqui estou, caminho cedo até à esplanada do Império, no jardim da Graça, e ali me quedo a saborear o veneno matinal. A bica.
Tenho a vantagem do reduzido bulIcio e de ainda escutar a passarada nos seus gorjeios enquanto se aprontam para mais um dia de voaradas.
Hoje, contra costume, assim não foi. Estava o reboliço instalado.
Caído no passeio estrebuchava um homem corpulento e de meia-idade, já rodeado de mirones e socorristas, não muitos, mas excessivos para aquela hora e dia.
Estava a ser chamada a ambulância.
Como de uso, sentei-me na esplanada, de costas para o efeito.
Não resisti a cuscar as conversas e sentenças que por ali já brotavam.
Mesmo aqui na terra e em dia de trânsito reduzido é sabido que as ambulâncias não voam. Sobrevoavam porém as criticas pelo seu atraso, pois já havia sido chamada, calculem, há cinco minutos.
Entretanto o homem, auxiliado e passada a crise aguda, sentara-se e repousava. Havia batido com o rosto no solo e sangrava ligeiramente.
A ambulância não tardou e foi o homem instado a ir ao hospital o que recusou veementemente.
Os profissionais respeitaram, pedindo apenas a sua recusa por escrito.
Saída dali a ambulância é que foi o delas.
Eram paletes a insistir com o homem para ir ao hospital e oferecendo-se até para o levar de táxi, sem pagar nada. Não faltavam os conselhos.
Todos tinham razão nas suas sentenças e todos esqueciam o desejo e a privacidade do verdadeiro interessado que se mantinha triste e calado.
A meu ver e vestindo-lhe a pele (que não é fácil), deveria era estar vexado e incomodado pelo seu sofrimento e mais aquele desaire, decerto não o primeiro, desejoso de ganhar forças para prosseguir o seu percurso.
Não está em causa a boa vontade dos mirones.
Porém onde cabe aqui a compaixão e o respeito pela vontade do outro ?

domingo, 11 de novembro de 2007

(98) CRUZES


"Aqui temos uma cruz a carregar homens"
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Quando o homem, por puro prazer ou na satisfação de uma qualquer primária necessidade, teve a ideia de cruzar dois troços de madeira, nem pela cabeça lhe passou a dor de cabeça legada aos vindouros.
Dizem as estatísticas e os entendidos que apenas cede a primazia ao circulo.
E quão diferentes eles são.

No circulo a continuidade da linha e na cruz duas linhas que jamais se encontrarão, se a perpendicularidade perfeita, o que é aproveitado para fazer significar na vertical o trilho do divino e na horizontal o mundano, mais fácil, mais aproveitado, trilhos distintos.
Os humanos necessitam e abusam dos símbolos na expressão dos seus sentimentos e daí o aproveitamento material da cruz.
Após o romano toque e a tão falada lavagem de mãos, foi criada a controvérsia e a cruz passou a pau para toda a obra. Deu a volta completa, como se de circulo se tratasse, e, de cruel punição do malfeitor, passou a suplicio de mártires e redenção por amor.
Materialmente simples artefacto, subjectiva e psicologicamente poderá representar tudo o que queiramos, passando à dependência do gosto e criatividade
Um pequeno passeio na net e mergulhamos numa profusão de formas para o mesmo objecto.

E em matemática ? A cruz é constante no sinal de mais, de tal maneira que dois menos e lá estamos a mais.
E se o homem estende lateralmente os braços ? Perfeita simulação da cruz, embora a intenção possa ter sido exercício de ginástica, gesto de desanimo por falta de soluções ou apenas um disfarçado espreguiçar. Podemos ainda sugerir tratar-se de algum presunçoso imitador com ganas de mártir.
O povo ainda diz que cada um carrega a sua cruz
Uns arrastando-a penosamente, em sofrimento aparente e num coro de lamentações.
Outros, já que tem de ser, tentam transportá-la de forma menos penosa.
Neste fatalismo de bons e maus, admitamos que todos carregamos a nossa por imposição ou não tanto.
Não sei como carrega a sua.
Eu tento levá-la ao pescoço.

(97) ORGASMOS

NECESSIDADES
A tal de natureza na sua intenção reprodutiva, prevendo o desinteresse individual, introduziu no acto o toque ao prazer e satisfação física, quebra de tensão, repouso e relaxe muscular.
FACILIDADES
Na espécie humana, por erro, porventura calculado, forneceu além do aparelho sexual, também um aparelho mental sofisticado.
Se foi para experiência, não resultou, ou talvez sim, dependendo das expectativas.
CAPACIDADES
De posse dessa facilitação, ganhou o humano avarias.
Alguns aplicam-se em perverter o acto, na esperança de aumentar o prazer permitido.
Outros diversificam e conseguem prazer de tipo mais variado, aliás mais duradouro e satisfatório.
EXEMPLO:
Esta manhã deambulando, deparei com a frase da foto, de autor que desconheço e a quem aqui presto mérito.
Ali tiveram inicio os preliminares deste meu orgasmo mental.
Excitei-me. Foi um dia em cheio no gozo das ideias.
Tem senãos, confesso.
O orgasmo, a existir em plenitude, necessita de complemento e partilha.
Neste meu caso, sem ser masturbação, é notoriamente solitário e sem muita esperança de contágio a quem, por mero acaso, leia o texto.
A mim satisfez, deu-me prazer desde os preliminares, preencheu espaço no tempo e poderei renovar o efeito cada vez que scrolar (passe a expressão) o meu blog.
Não termino sem afirmar o meu convicto envolvimento com e na natureza.
Persiste porém a dificuldade de me encontrar.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

(96) VAIDADES

fotocantodocarlos
No palácio das virtudes muitas queixas são recebidas sobre a conduta de seres desta espécie,

Constam elas do excesso de petulância, arrogância, altivez, agressividade e convencimento, entre obviamente muitas outras.

Na esperança de aclarar a origem de tais males, fui bem ao âmago.

Despi um sujeito das suas camuflagens e atavios, obrigatórios uns, postiços outros, e, creiam, nem de lupa em punho antevi causas para tal efeito.

Foi conclusivo o exame. Somos isto, pouco mais.

Todo o resto são efémeros poemas, vogando no espaço, a fazer de conta, e alguém cautelosamente vai cobrindo de poeira.

Sendo porém a ciência o que é, não querendo correr riscos e à cautela, não se trate de algum vírus, vou ali à farmácia procurar uma vacina.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

(95) MILAGRES


Para o humor ser do bom, em meu entender, não lhe basta o provocar o riso fácil e gratuito que se esquece, Não de todo.
Por força terá de conter ingredientes geradores de reflexão para conduzir o riso a outra dimensão.
Há dias li e passo a relatar, não sendo exacto na transcrição e omitindo o autor por não constar.
Ele, se me visitar, perdoará a dupla falta.
Dois sujeitos jogam xadrez pela noite dentro e, de súbito, a luz foi-se.
Um, extremamente crente e praticante, murmura calma e tranquilamente, sem se mexer:
"o Senhor, na sua infinita sabedora irá resolver este problema"
O outro, calado, levantou-se e foi repor o fusível.
Na moral da história, esta da minha lavra, vejo dois extremamente crentes.
Um na muleta do milagre, o outro no esforço pessoal com raiz na esperança.
Claro que ao primeiro chamamos outros nomes e até chacoteamos.
Todavia, na filosofia dos seguidores do que nada acontece por acaso, não lhe terá sido destinado aquele parceiro na hora e local certo ?
Aceito esta presunção mas duvido do êxito da lição.
Outra benevolência do Senhor que premeia o calaceiro.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

(94) IR LONGE...




Aqui tão perto...


Artistas e ases

De braço dado

A jogar trunfo...

(93) BELEZA


Neste domínio, funciono como no da verdade.
No meu conceito cabem e aceito as diferenças, tentando vestir a pele do outro.
Doutro modo, como aceitaria alguns dos meus contemporâneos que usam próteses para distender os lábios ou atravessam as narinas com pauzinhos ?
Pois, para mim a mulher da foto cumpre, no menos, um dos requisitos: é uma linda mulher.
A plenitude, porém, só será atingida na bipolaridade e teria de descobrir se ali cabe também uma mulher linda.
Esse tipo de beleza, a mais profunda, a que não se vê, a que brota da alma, modela a personalidade, senhora dos encantos, da compreensão, entrega, ternura, paz e luz, ideal composição do ramo do amor.
Beleza de que nem o próprio se apercebe, tão natural lhe é.
Essa beleza que sedimenta o velho ditado: "MAS QUE FEIA TÃO BONITA".
A mulher da foto, não me deixou qualquer ansiedade nessa busca.
Quando a minha digital a captou, já sabia da existência do vazio, para além da perecivel e postiça aparência.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

(92) ANTES E DEPOIS

Outro dos meus pequenos vícios, grandes necessidades: a tradicional bica.
Não abuso ! Duas diárias, três de excepção.
Assumo a minha fragilidade ao confiar o meu cinzento animo matinal a este liquido escuro, na esperança da metamorfose do matiz no novo dia
E, por vezes, quando é café-café, lá se produz o efeito e o novo dia vira, azul, verde e até rosa.
Será o processo meramente mental, na muleta do placebo ? Ou será da qualidade do produto ?
Todavia, e na falta, o dia usa enviesar, virando negro do cinza.
Para evitar o remedeio, previno. Vou tomando !

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

(91) O REAL



Este "vaidoso" habita aqui na Várzea de Torres Vedras.
Quando lhe apontei a digital, interrompeu a tarefa em curso e colocou em mim aquele olhar.
Não há sorriso ! A Mãe não lhe concedeu a musculatura facial que permite esse esgar, e se calhar por bem.
Acresceu-me contudo dificuldade em aquilatar do seu humor pela minha insólita presença.
Nasceu nu, como nós, e depressa a Mãe o enroupou daquele jeito, a manter pela vida toda, garante da transmissão dos genes da espécie.
A tarefa interrompida era uma de três: tentava livrar-se de algum incomodo pulgão; procurava o modo de ocultar a cabeça na asa afim de curtir agradável soneca ou talvez tratasse da roupagem para curtir com uma daquelas garinas acinzentadas que por ali abundam, cumprindo assim a tarefa imposta.
Enfim, por falta de sinais e para desbloquear o impasse, ensaiei um dos meus melhores CUÁ-CUÁ. Foi à água, mergulhou a cabeça por momentos, sacudiu vigorosamente o rabo e esvoaçou até ao canavial, soltando um único CUÁ.
Dada a falta de vocábulos, há que fazer um esforço na dicção.
Um CUÁ dirá muito, ou muito pouco.
Por mim garanto que não o quis ofender. Por certo expressei-me indevidamente ou não gostou do sotaque. Ou talvez não !.
Não sei o que irá contar a meu respeito e tão pouco me incomoda.
Cada vez mais crente vou estando que só me faz mal quem eu deixo.
Hei-de tentar de novo, não sou de desistir !

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

(90) SEM CABEÇA

fotocantodocarlos
Estes janotas, sem cabeça, não reconhecem as cores vivas do sofrimento, tendo o mérito de não saber que a vida é uma merda.
Perdem também porém o matiz das pequenas maravilhas nela contidas e jamais saboreiam a esperança, filha do medo e da dor.
Vou mantendo a minha !

sábado, 6 de outubro de 2007

(39) AS SANDÁLIAS



Continuaria enrolado no sonho, não fora aquela batida persistente. Abri um olho e accionei os outros sentidos.
Levei tempo a rever-me. Fazia fresco, era manhã. Enrolado continuava porém no cobertor, de que perdera o hábito naqueles últimos meses de verão.
O ruído continuava como cão a pedir guarida. Teve de ser. Separei-me da manta e, em pelota, assomei à janela. Tudo estava explicado. O inverno assomava às portas da cidade e, para reconhecimento, mandara avançar os vanguardistas. Ali estava o Outono e os inseparáveis ajudantes: o chuvisco e o vento ligeiro.
As folhas secas, apanhadas de surpresa, esvoaçavam aflitas, sem destino, sacudidas do torpor morno dos últimos dias de Estio.
Aqueles arautos avisavam os humanos da cessação quase imediata da mordomia da estação quente. Tempo de trocar de fardamentos, o que me levou de imediato à relação próxima dos meus pés e das sandálias. Que seria delas ? Já me compadecia a interrupção daqueles amores.
Não riam. Recorda-me bem aquele dia de inicio de verão quando estaquei junto à pequena montra da sapataria na intenção de encontrar algo mais leve do que as botas de inverno. E elas, as sandálias, lá estavam, num cantinho, pela humildade ressaltando entre outras, sem arrebiques, simples, pele de mel, macias, a prometer caricias de que os meus pés andavam ávidos e a lançar-lhes olhares gulosos a que eles não foram insensíveis.
Antevi problemas, tentei arredar-me na fuga ao compromisso. Todavia eles, por si, encaminharam-me à entrada da pequena loja. Daí a enlaçarem-se, foi um tiro. Não sei dizer de quem foi a iniciativa, fundiram-se de tal forma, dois em um, só possível num amor de primeira vista. Cativaram-se e aceito. Elas tinham tudo o que uns pés cansados do percurso podiam desejar, simultaneamente macias e firmes, delicadas mas justas, aceitando as diferenças, completando-se.
Nem sequer discuti na minha plena incapacidade de os separar. Paguei, deixei as velhas botas e eles vieram felizes na experiência daquele amplexo, estudando-se e entregando-se.
A partir daí. Que posso eu dizer ? Foi a loucura ! Não se desligaram mais, excepção a banhos e dormir que aí opus felina resistência.
Porém de noite os pés viviam agitados pela breve separação e elas, junto à cama, ansiavam pelo raiar do dia e por aquele que era o meu hábito de ir ver o sol a vestir-se. Novas andanças, novas descobertas, novos enleios.
Como vou eu agora convence-los que tudo acabou ?
Enfim, terá de ser, já venho.
Estou de volta. E venho perplexo... A situação foi aceite, compreenderam que nada é eterno, que foram privilegiados porque tiveram e isso nunca estará perdido e acrescentaram um pedido. Gostariam num dia ou outro de sol, sempre que possível, unirem-se relembrando aquele verão jamais esquecido. Doçura e amor. Lindo de doer.

E SE OS HOMENS CONSEGUISSEM SER ASSIM ?

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

(89) ESTADOS D'ALMA



Aquando lidei com os sábios foi-me dado o prazer do convívio duma artista plástica, Lídia de seu nome.
Era uma combatente, resistente, força da natureza.
Com forte traço e cores, escrevia na tela histórias d'encanto..
Acompanhei a obra, vivi a ascensão e o clima de mudança, (evolução ou involução ?) tão próprio da alma de artista na avidez de atingir o cume, o inatingível.
Usando da mesma robustez do traço e da luz das suas cores, saltou do detalhe do retrato e da paisagem aos estados de alma cuja expressão na tela propiciam profundo mergulho no espírito de cada observador sensível.
E assim continuou o ciclone de elogios à sua obra.
Ausentei-me algum tempo, e não preciso quanto, por não saber medir.
Foi estranho o reencontro.
No seu cantinho recebeu-me triste e abatida, sentada à frente duma tela que não resisti a mostrar acima.
--E disse:
Quero a tua opinião.
E os seus lindos olhos, de normal serenos, prenunciavam tempestades.
Não faltei à verdade, a minha claro, e respondi:
-- Meu amor, mesmo que esta tela te proporcione orgasmos múltiplos, a mim, podes crer, não causa sequer a previsão duma ligeira erecção.
E à cautela acrescentei:
--Nota que esta opinião pode resultar da minha idade e não da qualidade da obra.
Um raio de luz dispersou aquele céu tempestuoso dos seus olhos e sorriu.
-- Foi a minha ultima obra, pura experiência. Assinei. Não calculas o êxito. Para mim basta, Estou cansada.
E continuou
-- Vou dar lugar à derradeira. Será de técnica mista, um esfregaço de excremento que espatulo sobre a tela, deixo secar e aplico um spray prateado. Proponho irmos incógnitos à abertura e escutarmos as interpretações eruditas de alguns.
E deu o grito
-- Só tu e eu saberemos que não passa de trampa.
A amargura de não se rever nas projecções dos outros.
Serenei-a com terno e longo abraço de silencio.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

(88) A ESCALADA

Para conhecer do sentido da vida, havia-me proposto chegar ao topo.
Estou cá em cima. As expectativas foram iludidas.
Sobre a cabeça a ilusão do azul celeste e farrapos brancos esvoaçando esbaforidos ao gélido bafo do vento.
Nem folha nem fumo.
Nem árvore, nem ave, nem o seu pio.
Afinal aquele sentido havia de ter sido retirado do desafio da escalada e durante a sua superação.
Entre a pregagem das estacas devia ter dado um compasso de espera, olhando em volta, imaginado até as árvores, as aves e os seus gorjeios e talvez até flores.
Na ânsia da descoberta esqueci o sonho, abafei-o, e resta apenas o desespero de não ter caído eu, quando perdi quem me seguia.
Ali, no topo, nada mais resta.
Vou espetar a bandeira da angustia, infeliz marco da minha presença neste lugar insólito e iniciar a facilitada descida, onde encontrarei o sentido do nada.

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

(87) A PARCA


Dizem os na matéria entendidos que a Parca quando ceifa, como gratificação e antes da passagem na porta grande e última, a do sem regresso, projecta em versão acelerada a fita da nossa vida.
Não crendo, e também não sendo dono da verdade, dou à duvida o beneficio e vou cismando que de pouco me serviria rever o filme da minha vida.

Os erros, muitos decerto, voltariam a ser cometidos, se a ocasião me fosse dada e deles consciência não tivesse.

As alegrias rejeito, evitando dessa forma rever os sofrimentos.

Alegrias e sofrimentos que a cruel e generosa natureza, a seu tempo, cuidará de fazer esquecer ou então ir adoçando.

Não !

E até porque de cinema ando arredio, cuidarei de, subrepticiamente, tentar enganar a ceifeira, embarcando logo logo na definitiva soneca, com dispensa do espectáculo.

Com tantos afazeres dispersos, talvez ela não dê conta.

domingo, 12 de agosto de 2007

(86) A VISITA

Desta minha visita ao mar não colhi o sabor de outros anos.
Lembra-me o entusiasmo sadio de então, da minha entrega total nos seus braços de espuma sem notar sequer a temperatura do abraço.
Brincávamos como dois cachorros e eu saía exausto, vencido, não convencido. Repousava na areia o corpo molhado e logo que o sol me mordiscava, lá estávamos de novo repetindo o ciclo.
Alguma coisa quebrou.

Ele estendeu os seus braços de espuma pela areia, acariciou-me os pés, num vaivém ritmado, sem a fingida violência doutrora.
Pareceu-me o mesmo, talvez menos azul.
Faltava porventura algo que não consigo definir.
Talvez, como todos os seres, tenhamos perdido fulgor.
Não deixei de o procurar todos os dias nem sequer deixei de o amar.
O meu telefone de certo modo compensou-me.
Fui agraciado com a “ordem de 15 dias sem tocar”.
E notem, não o desliguei. Brilhante.
Fiquei tão entusiasmado que prometo portar-me bem, na esperança de ser agraciado com a “ordem de 365 dias”.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

(85) O MALEFICIO DO ESPELHO

Tenho, entre outros, o vicio menor de beber água em directo da torneira e então, se acordo de noite, é satisfação obrigatoriamente a garantir.
Esta noite, seriam duas, ensonado, lá fui matar o vicio e, quando saciado, levantei a cabeça. Um sujeito, vagamente familiar, fitava-me, olhos sem brilho, profusos de tristeza e ávidos de vazar a alma.
Não me dispus a conversas, olhei-o, sorri e virei as costas de retorno à cama.
À cautela, e contra o meu uso, fechei a porta.
Sem sucesso tentei pegar de novo o fio do sono. Ao novelo juntaram-se o Remorso e o Egoísmo e não deixavam fluir.
Ora o Egoísmo e o Remorso são causa e efeito e, sabendo que não me deixariam em paz, resolvi voltar ao quarto de banho à procura do sujeito que até retribuíra com tristeza o meu sorriso evasivo.
Desaparecera.
Corri em desespero aos outros espelhos da casa e êxito não colhi.
Então o grito saiu:
– Está alguém em casa ?
Soou a vazio e o falsete do eco reboou lúgubre...asa ...asa ...asa .....
Estava definitivamente só !
Voltei à cama amargurado e nem o sono reencontrei.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

(84) TUDO AO MOLHO


Por questão disciplinar e pessoal, devo explicação pela arrumação dos meus textos.
A solidão, loucura e preconceitos passeavam em cantos separados e a dificuldade de arrumo surgia evidente a cada texto, por não ser tarefa de somenos atribuir tema ao mesmo.
Por vezes, na solidão esboçado, descambava em coisa louca, sempre acabando a beber das fontes do preconceito, onde as águas serão felinas ou no menos muito turvas.
Assim me ia perdendo no trilho e na parcela de gozo a extrair com licitude destas coisas, algumas com algum sentido, outras com nenhum ou porventura com muito. Como vamos saber ?
Resolvi por tal unificar e, para sair da encruzilhada, migrei.
Sendo agora a confusão semelhante, a via é única e será o próprio texto ou quem o ler a topar o seu ninho.
Não havendo tarefa sem ossos, obviamente eles surgiram.
Algumas imagens perderam animação e a consequente graça e os comentários que muito prezo tiveram de ser passados em bloco por cada texto, embora conseguisse manter os emissores e as datas.
Tudo isto crueza e fruta verde da árvore do meu incipiente conhecimento destas andanças.
Enfim... a coisa ficou dormida e, de vez em vez, lá me regalo, com maior eficácia, a reler o anterior paleio, estranhando alguns estados de alma de então, como se de meus escritos se não tratasse.
Para terminar e reiterando a vantagem, lá estaria eu agora â procura de poiso para este texto.
Resulta ele da minha boa solidão, do meu felino preconceito ou quem sabe da minha mansa loucura ?

(83) LAÇOS E... NÓS

Sempre gostei de laços, de laçada simples ou seus companheiros, mais firmes, mais duradouros, os nós.
O laço é deveras abrangente, ele enlaça o presente, no requinte da fita colorida e aperta, ajusta ao pé, o sapato mais humilde.
Esta laçada no sapato, e segundo a qualidade do atacador, terá de ser dupla, para evitar o constante reajuste.
Da gravata não sei. Não uso e evito baptizados, casamentos, funerais e quejandos que obriguem ao ritual de apertar o pescoço.
Os nós são de famílias mais nobres e na realidade outra loiça, pese embora mais complicados no enlace.
Entre os humanos também se criam laços, são invisíveis e muito semelhantes aos nós pela necessidade de preliminares. A laçada simples, descuidada, raro dá flor.
Tem de haver especial cuidado no aperto, nem muito, nem pouco, pois o problema principal está na quase impossibilidade de reajuste.
Há casos em que esse laço, ficando lasso, raro volta a enlaçar.
E com poucos, muito poucos, se consegue dar o verdadeiro nó, mais duradouro, por vezes eterno.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

(82) TERCEIRO ANDAR

Assisti a uma interessante palestra sobre saúde mental.
Após a abordagem e explanação de absorventes fases do tema, a técnica, questionada sobre hipnose, aligeirou a questão e, fazendo humor, definiu-a como:

"distrai-te lá, eu quero que faças aquilo que não queres fazer"

Esta irónica e subversiva graça, porventura não o sendo, deu-me a compreender e aceitar grande parte dos meus conterrâneos.
O democrata no poder é sincero, grita nos comícios que em democracia
"todos dizem o que querem e fazem como ele quer".
Os assistentes aplaudem, não o ouvem. estão hipnotizados.
E depois há tantos contemporâneos meus de bizarras condutas, bizarras certamente por insólitas e contrárias às minhas.
Suponho façam aquilo que não querem. Estarão hipnotizados ?
Ou estarei eu hipnotizado e afinal o resultado dá no mesmo ?
Existem outras hipóteses.
Pode ser que andemos todos hipnotizados e assim mesmo a fazer o que queremos. Quem sabe ?
E ainda pode suceder não resulte o problema tão linear, entre branco e preto, talvez nos passeemos no cinza.
Aqui a meta será sempre a mesma, em contornos menos precisos, quiçá mais angustiantes, pela sua indefinição.

Ora... Não liguem ao texto
Neste mundo de loucura, devo ser um dos mais loucos.
Seja lá isso o que seja !



sexta-feira, 22 de junho de 2007

(81) OS RITUAIS

Sendo os transportes públicos duplamente poluentes, reconheço-lhes vantagens e não os dispenso.
Quando chego a esta cidade, a minha natal, o que venho fazendo cada vez a mais espaços, poupo-me à condução, que usualmente faço a gosto, evitando-me ficar sujeito à impossibilidade de terceiros a reconhecer não andarem sós na terra e também à possibilidade de ouvir alguns eventuais e gratuitos insultos.
Acresço-lhe ainda a vantagem notória de, por momentos e naquele bulício citadino, criar um casulo de isolamento ou posto de observação de condutas insólitas de que felizmente o humano é pródigo.
Conduta por vezes curiosa, por bizarra.
Foi assim que numa destas pequenas viagens, alguém se deslocava abengalado e coxeando, atravessando aquele mar de humanidade.
Um outro sujeito que evidentemente o conhecia, alargou um daqueles sorrisos de publicidade às cáries e ao tabaco e exclamou:
— Eh pá, há que tempos não te via, como passaste ?
Após aquela sinistra aventura de difícil progressão, a resposta era óbvia:
— Com dificuldade !
E logo, sem atenção à resposta, brotou a pergunta seguinte:
— Então e a saúde ?
Nova resposta, aliás evidente pela aparência destroçada:
— Mal, muito mal.

Moral da história:

As respostas não correspondiam ao manual dos rituais.
O respondente deveria ter afivelado também o melhor dos seus esgares e dado a resposta adequada, falsa que fosse, pois ninguém liga a ninguém.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

(80) A CRENÇA


Com frequência me colocam a questão: És crente ?
Em regra a pergunta encobre o “acreditas em Deus?” “tens fé ?” entre outros, como parâmetros inseparáveis da crença, colocando nesta o envoltório do endeusamento. Como se a crença e a fé fossem fossem exclusivo duma qualquer especifica divindade, entre tantas que por aí pululam com mais ou menos seguidores, dependendo apenas da época, situação geográfica e estado psicológico.
Todas seguindo sinuoso trilho, apartando o bem do mal, talvez omitindo que nesta harmonia natural nada se perde, tudo se transforma, pelo que o aparente bem, não deixará de ser para outro o aparente mal.
E, claro, qualquer das divindades envolvidas é espelho do bem e do amor e assim são veneradas, mesmo que porventura administrem o “bem” com crueldade, que atribuirão à conduta do sofredor que assim se redimirá ou melhor ainda atribuindo o mal a outra terrível, maléfica e diabólica entidade, esta por si só garante da existência do bom Deus.
Que estranho ! Poupem-me. Mas respondo à pergunta:
Na caminhada da vida, apesar da pressa, olho à volta e humildemente extasio na observação da energia envolvente e nos acordes melodiosos da sua sinfonia
Olho o frondoso pinheiro e acredito ter brotado dum singelo pinhão
Olho os astros e acredito na disciplina da sua rota.
Olho as nuvens e acredito no vento que as empurra
Olho as águas e acredito na sua força criadora
Olho o por do sol e acredito que anda por ali paleta mágica
Olho a chuva, a trovoada, a tempestade e acredito na sua força.
Olho as fauces ensanguentadas do leão quando as mergulha no ventre da gazela, e acredito na ausência da crueldade, antes exigência do processo.
Olho o espermatozóide e o óvulo, de tão frágil aparência, e acredito no poderoso ser que conseguem gerar, por vezes máquina destruidora, provando assim que até na natureza “errar é natural”.
Olho para mim, reconhecendo o insignificante grão de poeira na mó da vida, e acredito nesses magníficos poderes que temporariamente me foram atribuídos
Depois de tanto observar acham que era possível não ser crente?
No fundo acredito no amor e na vida, na força e equilíbrio da natureza, no bem e no mal, passageiros clandestinos que tanto se transmudam.

Não perco porventura o sentido critico e comigo sou duro.
Sou o meu deus. Tenho um templo e ali medito. Acabo por ser rico.

domingo, 3 de junho de 2007

(79) AS FERAS







Como o velho índio, reconheço a presença das duas feras que em mim coabitam (a do bem e a do mal) e, porventura como ele, sei subsistirá aquela a quem dê o alimento..
Consultada a minha consciência e atribuindo ao conceito os valores que habitualmente prossigo e persigo, obviamente alimento a da função generosa do bem, no menos como eu o entendo e até aceito e concordo possa não ser exactamente a crença dos meus conterrâneos.
E isto sem grilhetas que há muito deixei de usar.
Contudo, sentia-me por vezes tentado a pequenas travessuras que não eram de todo meu estilo, o que me levava a crer que a debilidade da tal fera não seria tão notória.
Na presença do problema, eminente se tornava a mesa redonda, ou quadrada que fosse, e a resolução da anomalia.
Vim a saber, vejam lá, que a tal de fera boa, na sua extrema complacência, partilhava a refeição com a vizinha maldosa.
Foi o argumento justificativo da acção fácil de validar..
Segundo elas, havia necessidade imperiosa de manter os níveis de sobrevivência, débeis fossem, Só a presença duma era garante da existência da outra.
Doutro modo, como saberia eu estar a praticar o bem, sendo essa a única moda em uso?
Não sou de questionar lógica tão convincente. Medito e aceito.
Não deixarei todavia de ficar de olho, não se dê a fera do mal a artes tais que arrebate toda a refeição da incauta opositora

(78) TURISMO

Se resolveu viajar ao País da Saudade
Evite o desvio à Cidade dos Remorsos
Se não aceitar o aviso
Evite no menos as ruelas da Culpa

quinta-feira, 17 de maio de 2007

(77) a DEUS

Minha atenção foi chamada por piar aflitivo.
No terraço, em revoada, volteavam os pardais.
Falavam todos à uma e a causa era patente.
Por gato preto ou pardo, um deles fora destroçado, restando a cabeça com dois olhos sem expressão.
Um, que pelo susto passara e tremia de emoção, pipilava a sua história:
--Estávamos na brincadeira, na hipótese de namoro, e o malvado do gatão, duma só sapatada, apanhou-o mesmo em voo.
E todos pranteavam em chilreado alarido, até que um deles questionou:
--- Será que Deus existe ?
A insólita pergunta fez tombar a assembleia em reflexão profunda.
Caiu ali o remanso, por quanto tempo não sei e de nada serviria que as bitolas são diferentes.
A pergunta embaraçosa sai resposta duvidosa e foi aí que dei graças por no paleio não ter entrado.
Decorrido o embaraço, lá rompeu outro piupiu:
-- Ora, se existisse, onde estava ele quando o gato aqui passou ?
Então,retrucou o mais velho em tom pausado, era doutra geração e muito havia voado:
-- Não existe podem crer ! E até ouvi dizer que é invenção dos humanos para tão sós não se sentirem.
Enfim, não quiz ouvir mais destas coisas de pardais, pois naquela madrugada, ainda o orvalho chorava, outra conversa escutara dum grupinho de lagartas. E o mote semelhante com queixas da passarada-
Tudo à volta do umbigo e da área circundante, sempre à espera do milagre, esquecem o perigo e a morte, seu companheiro e mandante.
Mas ainda faço mais, deixo aqui o retrato destes três personagens, tão diferentes, tão iguais.


E aprendi o conceito:

Inventado por nós para não nos sentirmos sós !
Gostei...
Uma luz assim acesa, com quem pudesse falar, afastaria a tristeza duma noite sem luar...