quarta-feira, 31 de outubro de 2007

(95) MILAGRES


Para o humor ser do bom, em meu entender, não lhe basta o provocar o riso fácil e gratuito que se esquece, Não de todo.
Por força terá de conter ingredientes geradores de reflexão para conduzir o riso a outra dimensão.
Há dias li e passo a relatar, não sendo exacto na transcrição e omitindo o autor por não constar.
Ele, se me visitar, perdoará a dupla falta.
Dois sujeitos jogam xadrez pela noite dentro e, de súbito, a luz foi-se.
Um, extremamente crente e praticante, murmura calma e tranquilamente, sem se mexer:
"o Senhor, na sua infinita sabedora irá resolver este problema"
O outro, calado, levantou-se e foi repor o fusível.
Na moral da história, esta da minha lavra, vejo dois extremamente crentes.
Um na muleta do milagre, o outro no esforço pessoal com raiz na esperança.
Claro que ao primeiro chamamos outros nomes e até chacoteamos.
Todavia, na filosofia dos seguidores do que nada acontece por acaso, não lhe terá sido destinado aquele parceiro na hora e local certo ?
Aceito esta presunção mas duvido do êxito da lição.
Outra benevolência do Senhor que premeia o calaceiro.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

(94) IR LONGE...




Aqui tão perto...


Artistas e ases

De braço dado

A jogar trunfo...

(93) BELEZA


Neste domínio, funciono como no da verdade.
No meu conceito cabem e aceito as diferenças, tentando vestir a pele do outro.
Doutro modo, como aceitaria alguns dos meus contemporâneos que usam próteses para distender os lábios ou atravessam as narinas com pauzinhos ?
Pois, para mim a mulher da foto cumpre, no menos, um dos requisitos: é uma linda mulher.
A plenitude, porém, só será atingida na bipolaridade e teria de descobrir se ali cabe também uma mulher linda.
Esse tipo de beleza, a mais profunda, a que não se vê, a que brota da alma, modela a personalidade, senhora dos encantos, da compreensão, entrega, ternura, paz e luz, ideal composição do ramo do amor.
Beleza de que nem o próprio se apercebe, tão natural lhe é.
Essa beleza que sedimenta o velho ditado: "MAS QUE FEIA TÃO BONITA".
A mulher da foto, não me deixou qualquer ansiedade nessa busca.
Quando a minha digital a captou, já sabia da existência do vazio, para além da perecivel e postiça aparência.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

(92) ANTES E DEPOIS

Outro dos meus pequenos vícios, grandes necessidades: a tradicional bica.
Não abuso ! Duas diárias, três de excepção.
Assumo a minha fragilidade ao confiar o meu cinzento animo matinal a este liquido escuro, na esperança da metamorfose do matiz no novo dia
E, por vezes, quando é café-café, lá se produz o efeito e o novo dia vira, azul, verde e até rosa.
Será o processo meramente mental, na muleta do placebo ? Ou será da qualidade do produto ?
Todavia, e na falta, o dia usa enviesar, virando negro do cinza.
Para evitar o remedeio, previno. Vou tomando !

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

(91) O REAL



Este "vaidoso" habita aqui na Várzea de Torres Vedras.
Quando lhe apontei a digital, interrompeu a tarefa em curso e colocou em mim aquele olhar.
Não há sorriso ! A Mãe não lhe concedeu a musculatura facial que permite esse esgar, e se calhar por bem.
Acresceu-me contudo dificuldade em aquilatar do seu humor pela minha insólita presença.
Nasceu nu, como nós, e depressa a Mãe o enroupou daquele jeito, a manter pela vida toda, garante da transmissão dos genes da espécie.
A tarefa interrompida era uma de três: tentava livrar-se de algum incomodo pulgão; procurava o modo de ocultar a cabeça na asa afim de curtir agradável soneca ou talvez tratasse da roupagem para curtir com uma daquelas garinas acinzentadas que por ali abundam, cumprindo assim a tarefa imposta.
Enfim, por falta de sinais e para desbloquear o impasse, ensaiei um dos meus melhores CUÁ-CUÁ. Foi à água, mergulhou a cabeça por momentos, sacudiu vigorosamente o rabo e esvoaçou até ao canavial, soltando um único CUÁ.
Dada a falta de vocábulos, há que fazer um esforço na dicção.
Um CUÁ dirá muito, ou muito pouco.
Por mim garanto que não o quis ofender. Por certo expressei-me indevidamente ou não gostou do sotaque. Ou talvez não !.
Não sei o que irá contar a meu respeito e tão pouco me incomoda.
Cada vez mais crente vou estando que só me faz mal quem eu deixo.
Hei-de tentar de novo, não sou de desistir !

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

(90) SEM CABEÇA

fotocantodocarlos
Estes janotas, sem cabeça, não reconhecem as cores vivas do sofrimento, tendo o mérito de não saber que a vida é uma merda.
Perdem também porém o matiz das pequenas maravilhas nela contidas e jamais saboreiam a esperança, filha do medo e da dor.
Vou mantendo a minha !

sábado, 6 de outubro de 2007

(39) AS SANDÁLIAS



Continuaria enrolado no sonho, não fora aquela batida persistente. Abri um olho e accionei os outros sentidos.
Levei tempo a rever-me. Fazia fresco, era manhã. Enrolado continuava porém no cobertor, de que perdera o hábito naqueles últimos meses de verão.
O ruído continuava como cão a pedir guarida. Teve de ser. Separei-me da manta e, em pelota, assomei à janela. Tudo estava explicado. O inverno assomava às portas da cidade e, para reconhecimento, mandara avançar os vanguardistas. Ali estava o Outono e os inseparáveis ajudantes: o chuvisco e o vento ligeiro.
As folhas secas, apanhadas de surpresa, esvoaçavam aflitas, sem destino, sacudidas do torpor morno dos últimos dias de Estio.
Aqueles arautos avisavam os humanos da cessação quase imediata da mordomia da estação quente. Tempo de trocar de fardamentos, o que me levou de imediato à relação próxima dos meus pés e das sandálias. Que seria delas ? Já me compadecia a interrupção daqueles amores.
Não riam. Recorda-me bem aquele dia de inicio de verão quando estaquei junto à pequena montra da sapataria na intenção de encontrar algo mais leve do que as botas de inverno. E elas, as sandálias, lá estavam, num cantinho, pela humildade ressaltando entre outras, sem arrebiques, simples, pele de mel, macias, a prometer caricias de que os meus pés andavam ávidos e a lançar-lhes olhares gulosos a que eles não foram insensíveis.
Antevi problemas, tentei arredar-me na fuga ao compromisso. Todavia eles, por si, encaminharam-me à entrada da pequena loja. Daí a enlaçarem-se, foi um tiro. Não sei dizer de quem foi a iniciativa, fundiram-se de tal forma, dois em um, só possível num amor de primeira vista. Cativaram-se e aceito. Elas tinham tudo o que uns pés cansados do percurso podiam desejar, simultaneamente macias e firmes, delicadas mas justas, aceitando as diferenças, completando-se.
Nem sequer discuti na minha plena incapacidade de os separar. Paguei, deixei as velhas botas e eles vieram felizes na experiência daquele amplexo, estudando-se e entregando-se.
A partir daí. Que posso eu dizer ? Foi a loucura ! Não se desligaram mais, excepção a banhos e dormir que aí opus felina resistência.
Porém de noite os pés viviam agitados pela breve separação e elas, junto à cama, ansiavam pelo raiar do dia e por aquele que era o meu hábito de ir ver o sol a vestir-se. Novas andanças, novas descobertas, novos enleios.
Como vou eu agora convence-los que tudo acabou ?
Enfim, terá de ser, já venho.
Estou de volta. E venho perplexo... A situação foi aceite, compreenderam que nada é eterno, que foram privilegiados porque tiveram e isso nunca estará perdido e acrescentaram um pedido. Gostariam num dia ou outro de sol, sempre que possível, unirem-se relembrando aquele verão jamais esquecido. Doçura e amor. Lindo de doer.

E SE OS HOMENS CONSEGUISSEM SER ASSIM ?