sexta-feira, 22 de junho de 2007

(81) OS RITUAIS

Sendo os transportes públicos duplamente poluentes, reconheço-lhes vantagens e não os dispenso.
Quando chego a esta cidade, a minha natal, o que venho fazendo cada vez a mais espaços, poupo-me à condução, que usualmente faço a gosto, evitando-me ficar sujeito à impossibilidade de terceiros a reconhecer não andarem sós na terra e também à possibilidade de ouvir alguns eventuais e gratuitos insultos.
Acresço-lhe ainda a vantagem notória de, por momentos e naquele bulício citadino, criar um casulo de isolamento ou posto de observação de condutas insólitas de que felizmente o humano é pródigo.
Conduta por vezes curiosa, por bizarra.
Foi assim que numa destas pequenas viagens, alguém se deslocava abengalado e coxeando, atravessando aquele mar de humanidade.
Um outro sujeito que evidentemente o conhecia, alargou um daqueles sorrisos de publicidade às cáries e ao tabaco e exclamou:
— Eh pá, há que tempos não te via, como passaste ?
Após aquela sinistra aventura de difícil progressão, a resposta era óbvia:
— Com dificuldade !
E logo, sem atenção à resposta, brotou a pergunta seguinte:
— Então e a saúde ?
Nova resposta, aliás evidente pela aparência destroçada:
— Mal, muito mal.

Moral da história:

As respostas não correspondiam ao manual dos rituais.
O respondente deveria ter afivelado também o melhor dos seus esgares e dado a resposta adequada, falsa que fosse, pois ninguém liga a ninguém.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

(80) A CRENÇA


Com frequência me colocam a questão: És crente ?
Em regra a pergunta encobre o “acreditas em Deus?” “tens fé ?” entre outros, como parâmetros inseparáveis da crença, colocando nesta o envoltório do endeusamento. Como se a crença e a fé fossem fossem exclusivo duma qualquer especifica divindade, entre tantas que por aí pululam com mais ou menos seguidores, dependendo apenas da época, situação geográfica e estado psicológico.
Todas seguindo sinuoso trilho, apartando o bem do mal, talvez omitindo que nesta harmonia natural nada se perde, tudo se transforma, pelo que o aparente bem, não deixará de ser para outro o aparente mal.
E, claro, qualquer das divindades envolvidas é espelho do bem e do amor e assim são veneradas, mesmo que porventura administrem o “bem” com crueldade, que atribuirão à conduta do sofredor que assim se redimirá ou melhor ainda atribuindo o mal a outra terrível, maléfica e diabólica entidade, esta por si só garante da existência do bom Deus.
Que estranho ! Poupem-me. Mas respondo à pergunta:
Na caminhada da vida, apesar da pressa, olho à volta e humildemente extasio na observação da energia envolvente e nos acordes melodiosos da sua sinfonia
Olho o frondoso pinheiro e acredito ter brotado dum singelo pinhão
Olho os astros e acredito na disciplina da sua rota.
Olho as nuvens e acredito no vento que as empurra
Olho as águas e acredito na sua força criadora
Olho o por do sol e acredito que anda por ali paleta mágica
Olho a chuva, a trovoada, a tempestade e acredito na sua força.
Olho as fauces ensanguentadas do leão quando as mergulha no ventre da gazela, e acredito na ausência da crueldade, antes exigência do processo.
Olho o espermatozóide e o óvulo, de tão frágil aparência, e acredito no poderoso ser que conseguem gerar, por vezes máquina destruidora, provando assim que até na natureza “errar é natural”.
Olho para mim, reconhecendo o insignificante grão de poeira na mó da vida, e acredito nesses magníficos poderes que temporariamente me foram atribuídos
Depois de tanto observar acham que era possível não ser crente?
No fundo acredito no amor e na vida, na força e equilíbrio da natureza, no bem e no mal, passageiros clandestinos que tanto se transmudam.

Não perco porventura o sentido critico e comigo sou duro.
Sou o meu deus. Tenho um templo e ali medito. Acabo por ser rico.

domingo, 3 de junho de 2007

(79) AS FERAS







Como o velho índio, reconheço a presença das duas feras que em mim coabitam (a do bem e a do mal) e, porventura como ele, sei subsistirá aquela a quem dê o alimento..
Consultada a minha consciência e atribuindo ao conceito os valores que habitualmente prossigo e persigo, obviamente alimento a da função generosa do bem, no menos como eu o entendo e até aceito e concordo possa não ser exactamente a crença dos meus conterrâneos.
E isto sem grilhetas que há muito deixei de usar.
Contudo, sentia-me por vezes tentado a pequenas travessuras que não eram de todo meu estilo, o que me levava a crer que a debilidade da tal fera não seria tão notória.
Na presença do problema, eminente se tornava a mesa redonda, ou quadrada que fosse, e a resolução da anomalia.
Vim a saber, vejam lá, que a tal de fera boa, na sua extrema complacência, partilhava a refeição com a vizinha maldosa.
Foi o argumento justificativo da acção fácil de validar..
Segundo elas, havia necessidade imperiosa de manter os níveis de sobrevivência, débeis fossem, Só a presença duma era garante da existência da outra.
Doutro modo, como saberia eu estar a praticar o bem, sendo essa a única moda em uso?
Não sou de questionar lógica tão convincente. Medito e aceito.
Não deixarei todavia de ficar de olho, não se dê a fera do mal a artes tais que arrebate toda a refeição da incauta opositora

(78) TURISMO

Se resolveu viajar ao País da Saudade
Evite o desvio à Cidade dos Remorsos
Se não aceitar o aviso
Evite no menos as ruelas da Culpa