quinta-feira, 30 de agosto de 2007

(87) A PARCA


Dizem os na matéria entendidos que a Parca quando ceifa, como gratificação e antes da passagem na porta grande e última, a do sem regresso, projecta em versão acelerada a fita da nossa vida.
Não crendo, e também não sendo dono da verdade, dou à duvida o beneficio e vou cismando que de pouco me serviria rever o filme da minha vida.

Os erros, muitos decerto, voltariam a ser cometidos, se a ocasião me fosse dada e deles consciência não tivesse.

As alegrias rejeito, evitando dessa forma rever os sofrimentos.

Alegrias e sofrimentos que a cruel e generosa natureza, a seu tempo, cuidará de fazer esquecer ou então ir adoçando.

Não !

E até porque de cinema ando arredio, cuidarei de, subrepticiamente, tentar enganar a ceifeira, embarcando logo logo na definitiva soneca, com dispensa do espectáculo.

Com tantos afazeres dispersos, talvez ela não dê conta.

domingo, 12 de agosto de 2007

(86) A VISITA

Desta minha visita ao mar não colhi o sabor de outros anos.
Lembra-me o entusiasmo sadio de então, da minha entrega total nos seus braços de espuma sem notar sequer a temperatura do abraço.
Brincávamos como dois cachorros e eu saía exausto, vencido, não convencido. Repousava na areia o corpo molhado e logo que o sol me mordiscava, lá estávamos de novo repetindo o ciclo.
Alguma coisa quebrou.

Ele estendeu os seus braços de espuma pela areia, acariciou-me os pés, num vaivém ritmado, sem a fingida violência doutrora.
Pareceu-me o mesmo, talvez menos azul.
Faltava porventura algo que não consigo definir.
Talvez, como todos os seres, tenhamos perdido fulgor.
Não deixei de o procurar todos os dias nem sequer deixei de o amar.
O meu telefone de certo modo compensou-me.
Fui agraciado com a “ordem de 15 dias sem tocar”.
E notem, não o desliguei. Brilhante.
Fiquei tão entusiasmado que prometo portar-me bem, na esperança de ser agraciado com a “ordem de 365 dias”.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

(85) O MALEFICIO DO ESPELHO

Tenho, entre outros, o vicio menor de beber água em directo da torneira e então, se acordo de noite, é satisfação obrigatoriamente a garantir.
Esta noite, seriam duas, ensonado, lá fui matar o vicio e, quando saciado, levantei a cabeça. Um sujeito, vagamente familiar, fitava-me, olhos sem brilho, profusos de tristeza e ávidos de vazar a alma.
Não me dispus a conversas, olhei-o, sorri e virei as costas de retorno à cama.
À cautela, e contra o meu uso, fechei a porta.
Sem sucesso tentei pegar de novo o fio do sono. Ao novelo juntaram-se o Remorso e o Egoísmo e não deixavam fluir.
Ora o Egoísmo e o Remorso são causa e efeito e, sabendo que não me deixariam em paz, resolvi voltar ao quarto de banho à procura do sujeito que até retribuíra com tristeza o meu sorriso evasivo.
Desaparecera.
Corri em desespero aos outros espelhos da casa e êxito não colhi.
Então o grito saiu:
– Está alguém em casa ?
Soou a vazio e o falsete do eco reboou lúgubre...asa ...asa ...asa .....
Estava definitivamente só !
Voltei à cama amargurado e nem o sono reencontrei.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

(84) TUDO AO MOLHO


Por questão disciplinar e pessoal, devo explicação pela arrumação dos meus textos.
A solidão, loucura e preconceitos passeavam em cantos separados e a dificuldade de arrumo surgia evidente a cada texto, por não ser tarefa de somenos atribuir tema ao mesmo.
Por vezes, na solidão esboçado, descambava em coisa louca, sempre acabando a beber das fontes do preconceito, onde as águas serão felinas ou no menos muito turvas.
Assim me ia perdendo no trilho e na parcela de gozo a extrair com licitude destas coisas, algumas com algum sentido, outras com nenhum ou porventura com muito. Como vamos saber ?
Resolvi por tal unificar e, para sair da encruzilhada, migrei.
Sendo agora a confusão semelhante, a via é única e será o próprio texto ou quem o ler a topar o seu ninho.
Não havendo tarefa sem ossos, obviamente eles surgiram.
Algumas imagens perderam animação e a consequente graça e os comentários que muito prezo tiveram de ser passados em bloco por cada texto, embora conseguisse manter os emissores e as datas.
Tudo isto crueza e fruta verde da árvore do meu incipiente conhecimento destas andanças.
Enfim... a coisa ficou dormida e, de vez em vez, lá me regalo, com maior eficácia, a reler o anterior paleio, estranhando alguns estados de alma de então, como se de meus escritos se não tratasse.
Para terminar e reiterando a vantagem, lá estaria eu agora â procura de poiso para este texto.
Resulta ele da minha boa solidão, do meu felino preconceito ou quem sabe da minha mansa loucura ?

(83) LAÇOS E... NÓS

Sempre gostei de laços, de laçada simples ou seus companheiros, mais firmes, mais duradouros, os nós.
O laço é deveras abrangente, ele enlaça o presente, no requinte da fita colorida e aperta, ajusta ao pé, o sapato mais humilde.
Esta laçada no sapato, e segundo a qualidade do atacador, terá de ser dupla, para evitar o constante reajuste.
Da gravata não sei. Não uso e evito baptizados, casamentos, funerais e quejandos que obriguem ao ritual de apertar o pescoço.
Os nós são de famílias mais nobres e na realidade outra loiça, pese embora mais complicados no enlace.
Entre os humanos também se criam laços, são invisíveis e muito semelhantes aos nós pela necessidade de preliminares. A laçada simples, descuidada, raro dá flor.
Tem de haver especial cuidado no aperto, nem muito, nem pouco, pois o problema principal está na quase impossibilidade de reajuste.
Há casos em que esse laço, ficando lasso, raro volta a enlaçar.
E com poucos, muito poucos, se consegue dar o verdadeiro nó, mais duradouro, por vezes eterno.