terça-feira, 7 de novembro de 2006

(56) O CHILREIO


Quando passei sob o velho e imenso plátano, corria manso o Outono e o Sol, em fim de dia, entre ensonado e teimoso, tentava sacudir os aconchegantes farrapos de nuvens à sua volta.
O chilreio cativou-me. Não resisti e, contra natura, resolvi cobrar a minha quota de cusca, tentando perceber o que por ali se dizia.
As aves chegavam aos bandos, regressadas da grande aventura do dia corrido.
Procuravam poiso para a noite próxima e na excitação da chegada e do convívio, gritavam em chilreio as aventuras das últimas horas, vividas em intensidade na procura e conquista do verme, nos voos picados, o espadanar nos charcos e os namoros. Não queriam de todo ser ouvidas, queriam apenas ouvir-se para acreditar na realidade do tempo vivido.
E cada novo bando era chilreio renovado e aumentado.
Fechei os olhos. Tão semelhantes as encontrei aos humanos.
Na ânsia dos seus relatos. Chilreavam em uníssono e muito embora ouvissem os outros, seguramente não os escutavam, satisfazendo-se naquela afirmação do eu... eu... eu...
Algum mérito eu credito aquelas aves na comparação atrás feita.
O chilrear foi melódico e o silencio profundo, logo logo que o Sol se tapou.
Com os homens é raro.

1 comentário:

notyet disse...

De Di a 7 de Novembro de 2006 às 19:48
Gostei, cada vez escreves melhor.
Realmente nós os humanos ainda temos muito que aprender com os animais e a natureza.

De preconceitos a 8 de Novembro de 2006 às 09:43
Não aprendemos, não.
Apenas deturpamos o singelo processo natural.

De yuki a 20 de Novembro de 2006 às 21:46
... até aniquilarmos o processo por completo ):
Mas a Mãe Natureza é superiora e terá sempre a última palavra.
Pobres dos homens que julgam poder onde nem sequer entendimento teem.

De keops a 24 de Novembro de 2006 às 19:11
Já pensaste escrever quadros, pintar palavras? Ouvi o silêncio no teu grito, absorvi o grito no silêncio!

De preconceitos a 25 de Novembro de 2006 às 14:23
O grito foi contido para evitar molestar as aves.´
Serás dos poucos a sentir/ouvir gritos silenciosos.
Pintar palavras é uma figura linda.
Duas razões me afastam.
A incapacidade e o receio que transparecesse demasiada raiva.

De yuki a 26 de Novembro de 2006 às 22:37
Quem entende os animais e fala com as árvores... está de certo imune aos sentimentos menos nobres.
Na perfeição reside a plenitude e nada há mais perfeito que a natureza.

De preconceitos a 2 de Dezembro de 2006 às 10:07
A natureza tem, por vezes, estranhas formas de se manifestar.
E, sem contestar a sua perfeição, geram tremendos conflitos a nivel das emoções humanas.