sábado, 17 de novembro de 2007

(99) COMPAIXÃO



Domingo. Dia de graça. De hábito, quando por aqui estou, caminho cedo até à esplanada do Império, no jardim da Graça, e ali me quedo a saborear o veneno matinal. A bica.
Tenho a vantagem do reduzido bulIcio e de ainda escutar a passarada nos seus gorjeios enquanto se aprontam para mais um dia de voaradas.
Hoje, contra costume, assim não foi. Estava o reboliço instalado.
Caído no passeio estrebuchava um homem corpulento e de meia-idade, já rodeado de mirones e socorristas, não muitos, mas excessivos para aquela hora e dia.
Estava a ser chamada a ambulância.
Como de uso, sentei-me na esplanada, de costas para o efeito.
Não resisti a cuscar as conversas e sentenças que por ali já brotavam.
Mesmo aqui na terra e em dia de trânsito reduzido é sabido que as ambulâncias não voam. Sobrevoavam porém as criticas pelo seu atraso, pois já havia sido chamada, calculem, há cinco minutos.
Entretanto o homem, auxiliado e passada a crise aguda, sentara-se e repousava. Havia batido com o rosto no solo e sangrava ligeiramente.
A ambulância não tardou e foi o homem instado a ir ao hospital o que recusou veementemente.
Os profissionais respeitaram, pedindo apenas a sua recusa por escrito.
Saída dali a ambulância é que foi o delas.
Eram paletes a insistir com o homem para ir ao hospital e oferecendo-se até para o levar de táxi, sem pagar nada. Não faltavam os conselhos.
Todos tinham razão nas suas sentenças e todos esqueciam o desejo e a privacidade do verdadeiro interessado que se mantinha triste e calado.
A meu ver e vestindo-lhe a pele (que não é fácil), deveria era estar vexado e incomodado pelo seu sofrimento e mais aquele desaire, decerto não o primeiro, desejoso de ganhar forças para prosseguir o seu percurso.
Não está em causa a boa vontade dos mirones.
Porém onde cabe aqui a compaixão e o respeito pela vontade do outro ?

3 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

Porque és um visitante especial, que deixa nas ideias as suas convicções e o calor humano do respeito e da amizade, deixei-te, no meu blogue, o símbolo do nosso aperto de mão.
Obrigada pela tua presença amiga

Afonso Faria disse...

Caro amigo! Estar atento, prestável, tem destas coisas.Uma observação atenta deixaste-te envolver, mesmo não te envolvendo. Acabaste por te envolver para além do acontecimento. Um abraço

C Valente disse...

O respeito pelo próximo é muito bonito, alguns esquecem-se desse pequeno grande pormenor, depois é o feitio de muitos o mal dizer, arranjar sempre um culpado. Boa crónica
Saudações amigas