terça-feira, 9 de setembro de 2008

(179) O tango

Anunciam na Ribeira tardes dançantes, lembrando as velhas academias de décadas atrás.
Não sei o que hoje ali se passa, nem sequer tipo de frequência ou som, mas posso especular na diferença, atendendo aos actuais padrões éticos e sociais e às liberdades ou libertinagens agora acrescidas, como queiram.
Antes, no tempo de "a menina dança ?", a coisa era castiça.
Castrados pelo atraso na chegada da internete, homens e mulheres podiam assegurar ali, além do prazer da própria dança, os seus convívios, encontros, enleios e paixões, por vezes com passadeira directa ao altar.
O som era então melódico, lento, com poucas alternâncias do chamado "abanar do capacete".
Intervalavam, para arrefecimento corporal, no clássico "damas ao bufete", olhos postos na gasosa ou pirolito a pagar pelo gentil cavalheiro.
O Amancio e a Rosalinda haviam-se conhecido numa dessas, talvez no salão dos Bombeiros Voluntários à Camilo Castelo Branco.
Respeitadores (?!) semana após semana, ali se enlaçavam, rolando na lentidão dos slows e tangos, preferindo o centro do salão na fuga evidente aos inquisidores olhares das matronas, acompanhantes das mais jovens, e também para, esquecido o pudor, encostarem os rostos e semicerrar olhos nas asas daquele fugaz sonho.
Então a musica era o somenos. Eles marcavam o ritmo.
E, numa dessas ocasiões, a uma maior pressão das mãos do Amancio nas costas da Rosalinda, esta tremelicando balbuciou:
--Ai senhor Amancio, senhor Amancio...
E o Amancio, de cabeça completamente perdida, replicou:
--Amansio a senhora. Eu já não posso!!
Acabaram por casar. De branco e flor de laranjeira. Se foram felizes não sei.
A ranchada de filhos decerto desconhece que a Cumparsita ou o Bejame mucho, tiveram grande influência na sua chegada à vida.

2 comentários:

alcinda leal disse...

Muito giro, prof!
Eis como uma velha anedota se adapta lindamente a outra roupagem!
É a força da sabedoria popular!
Então e se pensassemos encontrar-nos um dia destes? Já desafiei a Luisa.
Bjs

notyet disse...

Àquilo que a vida tem de circunstancial e insólito, chamamos anedotas, disfarçando de pseudo humor as realidades escondidas.
O que nos vai safando são as diferentes abordagens.
Bom regresso. Um beijo