sexta-feira, 11 de julho de 2008

(161) Amores imperfeitos

Não via o Julião há dois anos.
Gosto deste tipo e sinto o seu fado, talvez por ser capaz de lhe vestir a pele.
É ele assim um rapaz da minha idade, de muita pedra partida,.
Quando levou a pancada da viuvez, deambulou e, nos anos seguintes, fechou-se nele sem tentar sequer, por ser tarde ou não, procurar companhia.
Meio destroçado, parecia contudo bem assente na sua cimentada solidão, continuando a usar velhos remos, singrando, horizonte à vista, no mar do resto da vida.
Dizia que para ele o sexo morrera, acrescentando “e já era tempo”.
Neste reencontro leio tristeza no olhar, mais quebrado, esfomeado de se fazer ouvir e, de meu hábito, ali estava eu pronto a saciá-lo com o pão da minha escuta.
Finalmente conhecera alguém e, duvidoso do próprio desempenho, foi sem convicção acabar na cama, não propriamente para dormir.
Aos poucos acabou por se convencer que afinal o sexo apenas hibernara, surgindo agora em edição envelhecida, quiçá melhorada.
Entendiam-se. Dava certo. E da habituação passaram ao teste das compatibilidades e afinidades, coisa que o Julião entende correu na inversa e deveria ter sido o primeiro passo.
E, para não estender o relato, de imediato descrevo o sintético perfil que dela traçou .
Sensível e crente, demasiada crença, aceitando sem discussão ser o homem rei da criação.
Grande apreciadora de touradas, não vendo nelas a crueza do acto e aceitando que afinal os touros estavam aqui para isso.
Na roupagem, fervorosa devota dos Vuiton, Gucci e outros que, impondo a moda, não dão lugar à individualidade.
Senhora e sonhadora de andanças e viagens em que muitas andara.
Amante da mesa, perfeita no detalhe, convicta que ali se cria a identidade e, por tal, com alargada convivência social.
Desejosa de alargar o conhecimento da relação a familiares e amigos, como se, em idade tão adulta, os outros tivessem algo a ver com o encontro dos dois.
Ansiando por uma vida em comum, coisa arredia do Julião que, na verdade, nem já conseguia dormir acompanhado na real acepção do termo.
Se aceitar este sintético perfil e situar nele o que conheço deste meu amigo, poderia dizer, também sinteticamente: seria como se estivessem na linha do equador, ambos a alta temperatura, mas diametralmente opostos; estilos de vida arreigados, óbvia e praticamente inalteráveis no declínio.
O homem de vida simples que é o Julião, reconhece até ser possível que o ideal more no outro extremo e nem uma palha mexeria para que ela mudasse mesmo viesse isso a ser possível. Não queria, conhece a vida.
No seu âmago e por seu feitio, gostaria continuar amigo.
Nunca gostou de morder a mão que lhe faz festas.
Ela não o permitiu, acusando-o de brincar com os sentimentos dos outros e ser pessoa de usar e deitar fora.
Foi a gota de água e a lamina afiada que introduziu a duvida.
E questionou-me ele:
—Será essa a imagem que passo aos que atravessam a minha vida ?
Dei-lhe um abraço, beijei-o e disse-lhe:
— Não, não és assim. Eu sei e tu também.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu não te disse? Rotinas...Isso de trocar de vida de só para acompanhado....é muito complicado...
Jinhos
Di

alcinda leal disse...

Professor, que bonito o seu texto e que análise tão sensível que faz!
Fico encantada com os seus textos!
Revelam sabedoria e sensibilidade e eu aprecio essas qualidades!
Parabéns!
Bjs e bom fim de semana!

Andradarte disse...

Gostei.Gostei do Julião e tem a minha compreenção...Olá se tem.
São as verdades amargas da vida.
Nunca mais envelhecemos..estamos sempre a crescer. Um abraçopxrifvk

Anónimo disse...

ninO Julião nunca poderia ser meu AMIGO.Quando digo amigo é daqueles que são capazes de morrer, por um ideal, ou pelos que amam.
AMARGO JULIÃO!!! Sobrevive em vez de viver.
Ainda bem que você não é assim!
Fala-me com tanto prazer das suas netas, tem tanto gosto pelo seu BLOG (amante insaciável...), ganha horas a ver os "thrilers" para que os seus neurónios continuem a trabalhar bem e principalmente é um amigo com quem se pode contar - tolerante e leal.
Devo dizer que gostei do seu texto é imaginativo e sensivel.Beijo

Anónimo disse...

DESILUSÕES
Acontecem vezes de mais durante nossas vidas.
Mas voltar à solidão, depois de uma desilusão, causa muita dor e sofrimento.
Mas é preciso ser forte "ultrapassar", continuando a aproveitar todos os momentos de PÁZ e BELEZA, que a natureza nos oferece.

Beijinhos
maricel