domingo, 22 de abril de 2007

(76) O ADEUS

Fui cativado, como a raposa, e à lembrança me tem vindo a florinha amarela.
Hoje mesmo fui ao sitio, mais o aperto que a ideia fatalista e o presságio me emprestavam.
A confirmação logo tive. O seu sitio abandonado.
Alguém a colheu, ou pisou, e, nesta última hipótese, o vento que a trouxe a levou.
Tenho menos! Mas algo dela me ficou e, nos picos do silencio, chamo-a ao meu coração e não ficarei tão só.

domingo, 15 de abril de 2007

(75) A FLOR E O SOL


—Obrigada !
Olhei à volta. Ninguém.
Óptimo, pensei. Agora já não falo sozinho, ouço vozes.
E logo anotei a vantagem de abandonar o monólogo.
O obrigada repetiu-se, e, dessa vez, guiado pelo som, descortinei uma florinha amarela, repousando em berço verde nas fissuras da calçada.
— Obrigada porquê ?
— Não me pisaste. Sabes, sou filha bastarda duma lufada de vento.
As minhas irmãs tem sido pisadas ou colhidas e assim fiquei só.
— Não gosto de colher nem de pisar flores.
— Como tu há poucos, por isso vivo nesse medo. Os homens são muito estranhos, mostram-se atarefados, atropelam tudo e seguem sem mostrar compaixão, correndo dum lado para outro.
Será que sabem o caminho ?
— Suponho que não.
— Certa vez passou por aqui um sábio que me disse que os homens são contraditórios:
Perdem a saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde
Pensam ansiosamente no futuro, esquecendo o presente e acabam por não aproveitar nem o presente nem o futuro
Vivem como se nunca morressem e morrem como se nunca tivessem vivido
É tão estranho !
— Podes crer. Acham também que praticando os rituais aliviam a sua consciência. Olha por exemplo no que toca a flores. Sem compaixão, colhem as mais belas, atam-nas em molho e depois, quer para celebrar a dor quer a alegria, oferecem beleza morta, .
— Por isso vivo em pânico, ainda bem que não sou assim tão bela.
— Pelo contrário, além de seres uma bela flor, consegues também ser uma flor bela, lá onde não se vê, e, toma nota, isso entre os humanos não é fácil. Muitos não passam de encadernação de luxo em obra vã.
Pairou o silêncio e, passada uma eternidade, ela voltou a falar:
— Tu hoje foste a minha luz, o meu sol, quem me dera poder voar.
— Também gostaria de voar. É a liberdade !
— Não só. Quando o sol não viesse a mim, eu poderia ir até ele.
Chamei de novo o silêncio e afastei-me para que ela não visse o orvalho nos olhos do seu sol.