sexta-feira, 30 de abril de 2010

(264) Novelos


Acordei todo enrolado e logo imaginei a vida em novelo, qual imenso cordão umbilical.
Agarramos a ponta solta e vamos puxando, puxando, cumprindo e tecendo o rendilhado do nosso percurso, quiçá extremamente dependentes.
Não basta a maior ou menor resistência do fio e a sua policromia, ou a boa ou má qualidade das agulhas mentais, como ainda estamos sujeitos ao desenho, no fundo de somenos desde que subsista a capacidade de desfazer e começar de novo, sem apego ou desgosto, se a obra não está a correr de gosto.
Nesta fase alguns desesperam, usando a tesoura no corte do fio, não aproveitando o que do novelo resta, quiçá prenhe de eventuais surpresas e maravilhas ainda por tecer.
Aproveitei o meu novelo e muito teci, uns trabalhos de mérito, outros não tanto, sem arrependimentos tardios ou arrogância, ultrapassadas que foram as raivas da juventude e convicto de ter seguido o desenho e estilo que a época ou ocasião pareciam favorecer como escolha certa.
O que resta do meu fio está num desses novelos minorcas e pacientemente vou puxando, com acrescida cautela e tecendo, tranquilo e a meu gosto, o desenho possível, em liberdade interior e sem preocupação do que os outros possam disso pensar.
E assim, se errar, me perdoem pois nunca será tal a intenção.

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