sexta-feira, 4 de agosto de 2006

(30) CONTRADIÇÕES

No campeonato da vida na terra e neste ano de graça, impensável será a supressão da maioria dos sons, verdadeiro exército na agressão ao complacente e doce silencio.
À sombra de conforto, rodeou-se o humano de apitos, silvos, campainhas e buzinas, agudos e graves correndo a escala, condicionando reacções e condutas.
Estou nesta, e, sendo feros os carcereiros, sem esperança de escapar antes da pena cumprida.
Parto de vantagem. Tenho boa memória e, por tal, apesar de serem muitos já não salivo quando os ouço e corro de imediato para evitar a bisagem.
Trim e trim (telefone fixo) e já estou com ele na mão. Digo estou (sempre que posso evito o alô).
Uma voz de mulher, em tom baixo e sofrido, pergunta por não sei quem. Constato e declaro o engano. Algo nos deixa suspensos... conversamos. Sou modestamente sociável e urbano, estatuto que quero manter.
Abrimos em banalidades, creio eu. As banalidades são por norma os pilares da vida e, vez em vez, entrançam enleios.
Parece ter sido o caso. Poucas banalidades após, e por algum passe de magia, aquela mulher de trinta anos desbobinava a um desconhecido o filme da sua vida de que retirara as cores.
Carente, sem amigos, afectos incompreendidos por selectividade e exigências no retorno, não licenciosa mas licenciada, descrente do sol e da lua, numa perfeita solidão interior transparente, embrulhada em rendas de anseios e desilusões.
E não vivia só, rematou, tinha um peixe, um desses seres do belo mundo do silêncio.
Questionei... confrontei.
Fi-la medir e sentir a sua relutância à verdadeira entrega, o quanto preferia a amargura à ternura e, no entanto, quando o compromisso não existe, abre a sua intimidade a um estranho num espaço roubado a um engano, estranho que a aceita e compreende.
Depois pequei. Acredito que as palavras nos embalam. Dão quase tudo. Necessitam quanto a mim. do tempero dos momentos mágicos: o toque humano, real, na pele!
E sabendo ser boa a relação com os pais, coloquei a ingénua questão:
-Porque não se expõe a seus pais, como o fez aqui e agora a um desconhecido ?
A resposta foi curta e elucidativa
-Ah, os meus pais já andam pelos sessenta anos não entendem destas coisas.
Aqui balancei.
Se lhe digo a minha idade desnudo a sua ilusão e aclaro o preconceito. Se não....

Foi um blão, blão que decidiu. Também não salivei. Era a porta a chamar por mim.
Aproveito o ensejo e despeço-me. No meu intimo fica o desejo que aquele preconceito não lhe ceife os poucos grãos que lhe restam da sua seara de amor.

1 comentário:

notyet disse...

De Maricel a 23 de Outubro de 2006 às 00:27
Ontem tentei comentar, não concegui.
Vamos tentar de novo, não será igual o meu comentario, mas cá vai.
Alguém se engana a marcar um nº, e aí aparece um bom ouvinte, que Maravilha, deu para desabafar,.... que alívio, deitar para fora algo que a estava a atormentar.
O que ouviu, certamente com toda a paciência, e até deu alguns conselhos, esse foi Abençoado, fez algo de positivo esse dia, ajudou ALGUÈM.
Mas eu direi que nada acontece por acaso, e foi óptimo para ambos.
A Atormentada, seguirá algum conselho? Talves não, mas que importa, se entretanto já se sente melhor...
O Ouvinte deve sentir-se Feliz, por ter de algum modo ajudado alguém.
É uma BENCÂO

De preconceitos a 23 de Outubro de 2006 às 10:21
A contradição está no facto de considerar que os pais não serviriam para o seu desabafo, pela idade, aceitando, para tal, um estranho, porventura com mais idade